domingo, 11 de maio de 2008

é TECIDO nº 7

Maio/ 2008
Cariacica/ Vitória - ES – Brasil
A noite em que moradores da Praia do Canto conheceram o “Novo Espírito Santo”
Por H. Lima
Estudante do curso de Geografia da UFES
O assalto ocorrido no edifício Bahia Blanca na noite de 30/04/2008 nos mostra claramente as transformações as quais a sociedade capixaba vem passando. Localizado no bairro Praia do Canto, área considerada nobre, onde pobres só a freqüentam por que lá trabalham, afinal os ricos se acham os “melhores em tudo” porém dependem dos pobres para higienizar, construir e vigiar seus lares.

No prédio assaltado moram empresários, médico, engenheiro, diretores de empresas [1], certamente nunca imaginaram que seriam surpreendidos dessa forma por pessoas que eles, os ricos, sempre as enxergam com desprezo e nojo.

A propaganda do governador Paulo Hartung mostra o Espírito Santo como um Estado que a cada dia cresce mais e mais, porém, o novo ES pirotecnizado pela mídia governista estadual existe apenas para uma parcela mínima da população capixaba.

Pelas ruas as pessoas ainda continuam catando restos dos lixos de restaurantes para se alimentarem, os catadores de material reciclável exercem a função para garantir comida no estômago, o jovem pobre não consegue enxergar o seu futuro além de um emprego no comércio com salário baixo ou sua atuação no tráfico de drogas, salvo raras exceções, onde está o novo ES tão falado pelas propagandas governistas?

A divisão incorreta dos ganhos torna capixabas que são pobres mais pobres e ricos cada vez mais ricos, a conseqüência são os crimes, a criminalidade que assola o Estado tem como principais formas de sustentação a pobreza, a falta de oportunidades, as escolas públicas degradadas, os salários pífios, a falta de lazer (música, teatro, esportes, dança).

Os resultados são sempre os mesmos: tráfico de drogas, assassinatos, assaltos, espancamentos e uma polícia truculenta devido a inúmeras falhas no treinamento/ formação do policial.

Os ricos pensam que estão seguros em seus carrões e prédios monitorados por circuitos de TV, o assalto ao condomínio bahia blanca prova que mais uma vez os ricos estão equivocados. Esses homens e mulheres abastados não conseguem ou não querem entender que quanto mais dinheiro eles acumularem maior será a vontade do “neguinho” que tem “disposição” de chegar até eles e fazer a “limpeza”, “os bandidos não pareciam drogados, não pareciam bêbados. Eram jovens” [2].
Levaram aliança, relógio, cordão máquina fotográfica, celular e dinheiro, cerca de R$ 1mil [1].

Precisam de seu trabalho, mas na hora de te acusar não pensam duas vezes

“Sai de casa algemado. Nunca fui preso na vida. Fiquei surpreso porque nunca roubei nada” [3].
A fala desse porteiro mostra como os ricos agem com os trabalhadores pobres, o homem dono desta frase foi detido pela polícia, porém, tiveram que libertá-lo por falta de provas, ele é ou era, um dos porteiros do edifício bahia blanca, e a partir de agora como fica a vida desse indivíduo que foi mostrado para várias pessoas de dentro e fora de seu bairro como sendo um assaltante?

Em uma das matérias sobre o caso vi uma mulher moradora do prédio dizendo que estava surpresa e se mostrava apavorada dizendo que por várias vezes deixou as chaves do seu apartamento com o porteiro, será que em algum momento ela pensou que poderia estar havendo uma precipitação nas investigações policiais e o porteiro não poderia estar envolvido no assalto?

Os ricos pegam a maior parte do bolo, usam os pobres como empregados e quando algo de errado acontece logo procuram o primeiro desindinheirado mais próximo para culpabilizar, tais atitudes de violência como essa revela claramente as raízes da sociedade brasileira, uma sociedade fundamentada na violência e no desprezo onde apenas brancos ricos têm razão.

Na gênese da construção do Brasil o que se via com freqüência eram os europeus que “queriam degradar moralmente e desgastar fisicamente para usar seus membros homens como bestas de carga e as mulheres como fêmeas animais” [4], esse era o tratamento dado a índios/as e pretos/as escravos.
Os abastados capixabas não são diferentes do restante do país, em suas palavras, piadas e comportamentos mostram de forma muito límpida que “a mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta para explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar, e machucar os pobres que lhes caem às mãos.” [4]

Será que o dinheiro compra tudo?

Roupas de marcas caras, celulares último modelo, carro de luxo, relógio de ouro, tudo isso traz visibilidade e respeito de um certo grupo de pessoas, pessoas essas que pensam que tudo é comprável inclusive a segurança de suas vidas, “a sociedade é resistente. Paga impostos, escola particular, plano de saúde, mas quando chega na segurança, não desembolsa um centavo.” [5]
A frase acima é do presidente da Associação de Moradores da Praia do Canto reclamando que muitos condomínios do local não querem aderir ao Projeto Rua Segura que funciona assim: nos condomínios cadastrados, é instalado um rádio que faz comunicação direta com o policial que patrulha o bairro. Para isso, o condomínio escolhe uma empresa de vigilância a partir da lista selecionada pela polícia. O serviço custa R$ 70,00 por mês. [5]
Essas “fórmulas mágicas da paz” criadas por indivíduos egoístas e desesperados de nada adiantam diante do caos social que o Espírito Santo vive.

Professores bem remunerados, escolas decentes, salários decentes, ensino que forme o individuo como ser pensante e parte da sociedade capixaba, espaços para manifestações culturais, isso sim reduz níveis de violência e dificulta a ação do tráfico de drogas, fora isso, não será um plano que treina porteiros para aprender usar um radio comunicador e criar um “cordão de isolamento” entre ricos e pobres que irá resolver o problema da violência e outros problemas sociais presentes no “novo Espírito Santo”.

Referências
[1] Jornal A Tribuna, 02/05/2008 – caderno de polícia, p. 18
[2] Fala do sindico do edifício bahia blanca, Jornal A Tribuna, 02/05/2008 – caderno de polícia, p. 18
[3] Fala do porteiro R.S acusado de participação no assalto ao edifício bahia blanca – Jornal A Gazeta, 03/05/2008 – caderno segurança, p. 10
[4] Os Afro-brasileiros, Darcy Ribeiro – O Povo Brasileiro, p. 117 e 120, 2ª ed.1996
[5] Jornal A Gazeta, 03/05/2008 – caderno segurança, p. 10

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